E se Tiananmen fosse agora? Entrevista a quatro ativistas chineses
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Teng Biao, o homem que foi torturado por defender casos em tribunal
é uma voz muito suave, num tom baixo, que se ouve quando alguém atende o telefone do outro lado. “Obrigado por ter ligado”, diz Teng Biao, simplesmente. é tarde em Taiwan, onde está temporariamente, mas isso não o impede de fazer à mesma a entrevista por telefone. A partir de Nova Jérsia (EUA), onde vive atualmente, Teng Biao tem aproveitado todos os momentos para denunciar as violações de direitos humanos que ocorrem na China de hoje — uma situação que, crê, piorou e muito com a chegada ao poder de Xi Jinping. Em abril de 2018, escreveu um artigo onde deixou claro o que pensa: “O novo totalitarismo de Xi Jinping e o velho estilo de totalitarismo de Mao não diferem assim tanto”, declarou.
Não é para menos se se tiver em conta aquilo por que Teng Biao passou, a nível pessoal. Advogado, defendeu gente conhecida como o colega “descalço”, Chen Guangcheng. Mas defendeu também gente anónima e quase proscrita na sociedade chinesa: um trabalhador migrante, separatistas do Tibete, muçulmanos Uyghur e ativistas que pediam proteção para os doentes com VIH. Ao mesmo tempo, sempre se manteve uma voz política: nas aulas que dava, nos artigos que publicava, no facto de ter assinado o manifesto 08 de Liu Xiaobo.
Teng Biao vive atualmente em Nova Jérsia, nos Estados Unidos (D.R. TENG BIAO)
Mas as repercussões chegaram, e com toda a força. Primeiro foi suspenso de dar aulas na Universidade de Política e Direito de Pequim, por três vezes. Em 2008 foi-lhe retirada a licença para exercer como advogado. Pouco depois, viria a força bruta: um dia, puseram-lhe um capuz a tapar a cara e levaram-no à força para um lugar que não sabe onde fica. Em 2011 seria novamente detido. Esteve 70 dias em isolamento. Após ser libertado, foi dar aulas para Hong Kong, na esperança de que ali não teria de olhar por cima do ombro tantas vezes. Só que a repressão generalizada em 2015, quando 300 advogados de direitos humanos e ativistas foram detidos, insuflaram o medo em Teng Biao, que decidiu abandonar a China.
é por isso que, garante ao Observador, a situação vai piorar antes de melhorar. Mas a única opção que lhe resta, diz, é continuar a tentar. Tal como fizeram os sobreviventes de Tiananmen, que o inspiraram quando era um jovem estudante de Direito.
Como e porque se tornou advogado de direitos humanos?
Antes de ir para a Universidade, eu tinha sido vítima de uma espécie de lavagem cerebral. Foi só quando fui para a Universidade de Pequim e conheci professores pró-democracia que as coisas começaram a mudar. Tive a oportunidade de ler publicações clandestinas e de ouvir falar do massacre de Tiananmen. é preciso também dizer que fui muito influenciado pela geração de dissidentes de Tiananmen.
Aos poucos, comecei a aceitar que a democracia liberal era o melhor sistema. Foi depois de tirar o meu doutoramento e de começar a dar aulas em Pequim que passei a trabalhar como advogado. Aí, comecei a defender vários casos de direitos humanos, a defender sobretudo os promotores do movimento democrático. Os direitos humanos são muito, muito importantes, mas na China praticamente não existem. Não há qualquer respeito pelos direitos humanos e é muito importante que alguém os defenda.
Foi advogado do Cheng Guangcheng, mas também de pessoas menos famosas: ativistas do Tibete, de minorias religiosas como a Falun Gong… Porque aceitou defender estas pessoas, sabendo que o julgamento provavelmente não seria livre?
Na China não há qualquer independência judicial, nem julgamentos livres. Os juízes não podem tomar uma decisão individual nos casos. Portanto, para além da defesa em tribunal, nós tentamos organizar campanhas públicas, montamos atividades de rua e manifestações. às vezes planeamos greves de fome. Mas, na maior parte dos casos, não temos qualquer hipótese de ganhar, porque o governo controla o processo. Só que, através destes casos, ao longo do tempo vamos reunindo mais e mais apoio das pessoas normais, da sociedade. O movimento pelos direitos humanos tem-se desenvolvido ao longo dos últimos 15 anos, o que é incrível num regime tão repressivo. Mas esta é também a razão que está por detrás da repressão do governo.
Em geral, acreditamos que a defesa dos direitos humanos é importante, mas o Estado de Direito é impossível na China. é por isso que queremos avançar com a democratização, porque será uma forma de avançar com o movimento dos direitos humanos também. Só quando a China for democrática é que os direitos humanos dos chineses serão totalmente protegidos. Não é possível protegê-los num sistema de partido único. é necessário alterar a estrutura política, alterar o sistema.
Foi detido, esteve preso, foi torturado. Por que razão um advogado se torna alvo de tamanha repressão?
Comecei por ser ameaçado de várias formas por causa do meu trabalho, bem como os meus artigos a criticar o governo e o Partido Comunista Chinês. Primeiro proibiram-me de dar aulas e depois acabei por ser despedido da Universidade. Confiscaram o meu passaporte. Depois fui colocado em prisão domiciliária. Por fim, fui detido. Deixaram-me em isolamento e, mais tarde, fui torturado.
As ameaças a perseguição foram aumentando de tom ao longo do tempo porque eu nunca parei. Continuei sempre a trabalhar na área dos direitos humanos e isso enfureceu o governo. Queriam silenciar-me e travar-me, mas eu nunca parei.
E quando é que decidiu sair da China?
No final de 2013 vários dos meus colegas, advogados de direitos humanos, foram detidos. à altura eu estava a dar aulas em Hong Kong e tornou-se muito óbvio que, se regressasse à China continental, seria detido, julgado e condenado. Foi então que recebi uma proposta de bolsa da Harvard Law School e fui para os EUA em setembro de 2014. Mais tarde, o governo chinês prendeu vários advogados de direitos humanos, em 2015. Houve repressão sobre ativistas, grupos religiosos e cerca de 20 universidades, foi uma repressão bastante abrangente na sociedade. Tendo em conta isso, senti que não podia voltar à China.
Teng Biao testemunhou perante o Congresso norte-americano a situação dos direitos humanos na China (NICHOLAS KAMM/AFP/Getty Images)
Trinta anos depois do massacre de Tiananmen, diria que o Estado chinês está mais ou menos repressivo agora? Por outras palavras, hoje em dia é mais fácil ou mais difícil ser um ativista na China?
Muitos académicos têm questionado esta noção da China como um Estado autoritário. A China é um Estado totalitário, não é um agente simplesmente autoritário. Desde que Xi Jinping chegou ao poder, em 2012, que os direitos humanos têm sido travados e que têm sido cometidas atrocidades. Muitos ativistas continuam o seu trabalho em defesa dos direitos humanos, mas o risco é mais elevado do que nunca. Acho que com Xi Jinping, o governo não vai parar. Temo que muitos ativistas serão presos nos próximos anos. A comunidade dos direitos humanos na China enfrenta um momento muito difícil e precisamos da ajuda e do apoio da comunidade internacional.
"O problema é que, através de uma política de apaziguamento, os países ocidentais dão prioridade aos negócios e preocupam-se menos com os direitos humanos e com a democracia. Várias empresas ocidentais aceitaram a censura chinesa, alteram os seus softwares para que o governo chinês aperte o controlo à sociedade. Gostava muito que as empresas ocidentais revissem a sua atitude."
Teng Biao, advogado de direitos humanos
Tem esperança de que a situação venha a mudar? E o que acha que pode ser mais eficaz a conseguir uma mudança: a pressão internacional ou o trabalho dos ativistas chineses, dentro e fora do país?